Roadtrip U.S.A. - Dia 1

23/09/2017




Finalmente fui aos Estados Unidos! Digo isto porque é o país que alberga Hollywood, e todas essas cidades que estou tão habituada a ver nas centenas de filmes e séries do meu repertório, que quase parece que já as visitei no passado. Em pequena tinha uma clara predilecção por Nova Iorque sobre todas as outras cidades, talvez pelo meu fascínio por edifícios altos. No entanto, à medida que fui crescendo, e tendo iniciado as minhas próprias viagens, fui-me apaixonando rapidamente pela beleza, história e cultura das cidades da nossa maravilhosa Europa. Assim, Nova Iorque e os Estados Unidos foram passando para segundo plano. E devo dizer que após esta viagem, que não deixou de ser incrível, essa paixão assolapada pelas cidades europeias se solidificou ainda mais. Mas passando à viagem.

O meu grupo de amigos tinha planeado esta jornada já vários meses antes de me decidir juntar. O roteiro consistia em fazer a costa Este americana, de Nova Iorque até Miami, passando por várias cidades. A ideia foi incentivada pelo facto de dois dos nossos amigos, o Joca e o Brás, estarem presentemente a viver nos EUA (em Nova Iorque e Filadélfia, respectivamente) a fazer o doutoramento no programa MD/PhD. Quando ouvi falar da ideia por terceiros, parecia-me um plano distante e inatingível da minha parte, e não lhe dediquei muito do meu pensamento. Eis que após a insistência de uma amiga para me juntar, a roadtrip voltou a entrar nos meus circuitos sinápticos. Resolvi expôr (sem grandes esperanças ou expectativas) a situação à minha família. Qual não foi a minha surpresa (e não devia ter sido, pois eles sempre me incentivaram desde nova à viagem e à aventura) quando a minha mãe e o Frani, o meu "pai adoptivo", não só aceitaram e juntaram a sua voz à insistência da minha amiga, como também persistiram em apoiar financeiramente uma parte da viagem. Eu estava abananada. Mas aquilo estava mesmo a acontecer? Ao que parece, quem tem uma mami e um Frani tem tudo. Eles encararam a viagem como uma oportunidade que poderia ser única na vida, pelo tipo de viagem, pelo grupo de pessoas que iria fazer parte dela, e pela rara disponibilidade de tempo que se me surgiu devida a contratempos académicos. E pronto, estava decidido. Ok, mas agora passando mesmo à viagem.

Quem me conhece sabe que tenho um medo terrível de voar. Tenho plena consciência de que se trata de um medo irracional, mas o que não é perceptível pela razão é mais difícil de combater. Ia ser o vôo mais longo que já fizera na vida, 8 horas fechada naquela armadilha mortal de metal. Surpreendentemente, foi um dos vôos mais tranquilos que experienciei. Fazer estes longos vôos para lá e para cá quase curou a minha irracionalidade. Talvez porque a ansiedade foi substituída pelo desconforto inerente a viagens tão longas, ou principalmente pelo deleite que me invadiu quando me apercebi que tinha um ecrã pessoal carregado com dezenas de filmes e séries, dos quais ia poder usufruir durante 8 (neste caso) curtas horas. Esse deleite foi a minha salvação para a primeira dose (e que dose!) de cultura americana. Não bastou estar num dos piores sítios do avião (no meio dos assentos do meio, ao que gosto de chamar "no meio dos meios"); não, estava "no meio dos meios" entre duas senhoras extremamente obesas. Durante 8 horas. "Maria, certamente estás a exagerar", pensam vocês. Acreditem, não é hipérbole nenhuma quando digo que 1/3 do meu assento não era meu, não tinha sítio imaginável onde colocar os braços, e de cada vez que tinha de ir à casa de banho rezava uma Avé Maria para que uma delas não estivesse a dormir, já que era impossível passar por cima, como tantos outros passageiros faziam. Atenção, as senhoras eram ambas impecáveis como pessoas, até tive uma conversa agradável com uma delas sobre Nova Iorque. Apenas me refiro ao desconforto da situação. Contudo, como já tinha referido, a magia do cinema curou-me de qualquer inconveniente, e não ter dormido durante a viagem ajudou imenso com o jet lag. Fica a dica.




Quando pousamos no JFK, fui imediatamente cumprimentada por um bafo de ar quente que nos iria acompanhar durante o resto da estadia na Big Apple. Facilmente compreensível, já que a concrete jungle impedia que o calor do dia quente retido no alcatrão da cidade se dissipasse durante a noite, tornando os dias e as noites imensamente abafados. Mas, como disse o Joca, antes isso do que chuva. Após a passagem tranquila nos US customs (ao contrário das previsões do Brás), encontrei os meus amigos que chegaram num vôo um pouco mais cedo do que o meu. No aeroporto vemos logo claras diferenças com Portugal. Cada aeroporto tem bastante mais do que um ou dois terminais, e Nova Iorque é suplementada por três. Imaginem a quantidade de pessoas que todos os dias entram e saem da metrópole. Acho que não houve um momento em que olhasse para o céu nova-iorquino sem ver um avião a circular. É absolutamente surreal.

No táxi a caminho do JFK para Manhattan, parecia que estávamos numa auto-estrada europeia, tirando alguns carros de marcas que não costumam abundar na Europa, e o facto da maioria dos americanos ser um pouco desvairada a conduzir, pormenor esse que só viemos a verificar com certeza quando alugámos a carrinha e experienciámos a verdadeira roadtrip USA. Estava distraída a analisar o interior do típico táxi nova-iorquino, amarelo e com a sua divisória central, quando, de repente, ergo os olhos e vejo-a finalmente: Manhattan, magnânima e movimentada, em toda a sua imponência e excentricidade. Não sei se é correcto designar aquela visão de poluição luminosa. "Poluição" tem uma conotação tão negativa, e aquela paisagem só me fazia arregalar os olhos e fazer um esforço de modo a não escancarar a boca, de tão arrebatadora que era. Nem consegui pegar no telemóvel para tirar fotografias, estava irremediavelmente hipnotizada, queria estar no momento e absorver todos os pormenores ao máximo, deixando qua a cidade me envolvesse por completo. Mas essa imagem ficar-me-ia gravada na memória para sempre. Sim, Nova Iorque é mesmo a "cidade que nunca dorme". A cidade tem vida própria, não há um único canto em que se pousem os olhos e este esteja estático. É uma autêntica selva de luzes, com edifícios tão altos que iria ficar com dores no pescoço de tanto olhar para cima. Diversas pessoas e pessoas diversas. Um ruído constante, uma mistura de vozes, sirenes, buzinas, música... Noite cerrada, e passando em Times Square parecia que o sol nunca se tinha posto. Sentia-me como que transportada para dentro de um filme, com a banda sonora do Taxi Driver em loop na minha cabeça. Sim, porque a partir daí, foi o Sr. Frank Sinatra que invadiu as nossas mentes e tímpanos, dias e dias a fio.

Não se passou muito mais nesse dia interminável. Tive um primeiro contacto com as quantidades colossais de comida típicas dos restaurantes americanos, e entramos no nosso apartamento dos próximos dias. As escadas decrépitas, o lavatório da casa de banho vertia, os colchões rangiam, mas a localização central perdoava. E assim, com plena consciência de que ia acordar no dia seguinte com o sol a bater-me no rosto pela falta de persianas, enquanto era ferrada por mosquitos invisíveis, e com sirenes para me embalar, fui dormir com um sorriso estampado na cara. Foi um bom dia de 28 horas.


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